De volta

Muito tempo se passou, mas estou de volta e acredito que agora será com um tempo mais curto entre as publicações.
Gostaria de dizer aos meus leitores que por conta do muito trabalho e da familia(Casei) acabei me ausentando durante este tempo. Além dessas questões, outra que acaba influenciando, foi a minha inserção na saúde mental. O contato diário com as leituras de Freud e Lacan precisou ser interronpida para um maior aprofundamento na reforma psiquiátrica. Hoje estou tendo o prazer de estar trabalhando no CAPS Vila Esperança em Paracambi e na equipe de desinstitucionalização do Hospital Colônia de Rio Bonito. A psicanálise não foi abandonada, afinal como esquecer o meu amor e o meu odio ? Enfim, estou de volta e com uma ferramenta que vai me permitir escrever em qualquer lugar sem depender do pc, as voltas de paracambi agora provavelmente estarei escrevendo. Forte abraço e até breve.

FORACLUSÃO: o mecanismo específico da estrutura psicótica


O desejo pela construção deste trabalho está articulado a história da minha formação. No 3º período da faculdade comecei a estagiar na AFR (Associação Fluminense de Reabilitação) e lá atendi uma criança de 7 anos por quase dois anos que tinha uma mãe psicótica. E a maioria das questões trazidas na análise por aquele menino eram relativas a sua difícil relação com a sua mãe. Certo dia essa mãe estava em casa com seu bebê, quando de repente começou a ter algumas alucinações auditivas, ela ouvia o barulho de um trem que vinha na direção de sua casa e para salvar o seu filho do pior ela o toma nos braços e o arremessa pela janela. Esse caso despertou o meu interesse e me fez querer saber mais de como o sujeito era estruturado numa psicose.

Após essa experiência comecei a buscar a minha inserção nos dispositivos de saúde mental. Tive uma passagem pelo CAPS da UERJ, onde no meu primeiro dia levei um tapa na cara de uma usuária como convite ao trabalho na saúde mental. Depois disso iniciei o estágio no IFSM (Instituto Fluminense de Saúde Mental) trabalhando no Hospital-Dia. Vale lembrar que antes tive a experiência de estagiar no CTI de um Hospital do Coração, e eu comecei a perceber que eu passava mais tempo com os pacientes desorientados, falando um monte de loucuras do que com os outros. E paralelamente a esses estágios, eu estava no SPA (Serviço de Psicologia Aplicada) da FAMATh e recebi alguns pacientes psicóticos. Um deles eu já atendo a mais de 2 anos e a ultima experiência que eu tive com ele foi bem marcante. Quando cheguei no SPA para atender estava o pai e o menino do lado de fora me esperando longes um do outro e quando convido o paciente para o atendimento ele fala: “ hoje nem eu e nem ele vai subir”. Me aproximo dele e pergunto o que houve, o menino começa a gritar: “ essa peste, essa praga não deixou eu ir para o cinema, eu vou matar ele, de hoje não passa, estou avisando eu vou matar ele”. E agora o que se faz numa situação dessas? Lembrei-me naquele momento das sessões anteriores quando ele vinha falando bastante de como fazia para se comunicar com a sua mãe que mora alguns anos nos Estados Unidos e o convidei para dar uma volta e pedi ao pai que esperasse lá. Levei o paciente para a sala da informática e lá mesmo aconteceu a sessão. Ele me mostrou os e-mails que a sua mãe vinha mandando pra ele, entrou no Google Maps e mostrou ainda a sua casa e a sua escola. O paciente pode ser escutado mesmo fora do setting tradicional, a pergunta que eu faço é: será que vale a pena manter a ortodoxia e só realizar um atendimento nas quatros paredes em casos como esse por exemplo? Ou será que não é tempo da construção de uma clínica diferenciada, onde o sujeito possa ser escutado onde é possível pra ele naquele momento?

Foi esse o caminho da minha formação, e no meu trabalho de conclusão de curso eu não poderia fazer outra coisa a não ser me dedicar ao estudo do conceito que se faz indispensável para situar a clínica da psicose, a FORACLUSÃO.

Mas o que vem a ser a Foraclusão? Foraclusão foi o termo que Lacan utilizou para traduzir a palavra Verwerfung que está contida em algumas obras do Freud, que significa rejeição. Lacan retirou esse termo do vocabulário jurídico, que significa a abolição simbólica de um direito que não foi exercido no prazo prescrito. Durante a construção da monografia eu conversei com alguns advogados e pedi pra eles que me falassem um pouco do que se tratava a Foraclusão e para minha surpresa eles não sabiam responder e desconheciam tal palavra. Mas quando eu falava pra eles que significava a perda do direito por conta da perda de se ter perdido o prazo legal para o seu exercício, imediatamente eles me falavam que na verdade o conceito correto seria prescrição e não foraclusão. A conclusão que se chega é que a foraclusão é uma tradução equivocada do francês, mas que foi hegemonicamente aceita no Brasil.

O primeiro capítulo foi dedicado a uma pesquisa literária do termo Verwerfung na obra de Freud, bem como outras hipóteses consideradas por ele como causas possíveis para a psicose, como o conceito de defesa. O segundo capítulo procurei analisar alguns fragmentos da história dos casos clínicos do presidente Schreber e do Homem dos Lobos, que trazem questões essências para as discussões sobre a clínica da psicose. O terceiro capítulo é uma imersão na obra de Lacan e de outros autores com a relação ao conceito de Foraclusão do Nome-do-Pai, e de como este conceito se tornou central na teoria lacaniana das psicoses.

O primeiro texto de Freud onde aparece a Verwerfung caracterizada como mecanismo de rejeição é “As neuropsicoses de defesa” do ano de 1894. Freud estava nesse momento recebendo muitos pacientes e começou a perceber que eles gozavam de boa saúde até o momento em que o ego era confrontado com uma experiência aflitiva que o sujeito decidia esquecê-la, porque ele não sabia lidar com tal experiência. Esse esquecimento é o que produzia os sintomas na histeria, na obsessão e na psicose. Esse esquecimento nada mais é do que a operação da defesa. Que na obsessão a ideia intolerável é separada do seu afeto, mas continua na consciência ainda que enfraquecida e isolada. Já na psicose prevalece uma defesa muito mais poderosa e bem sucedida, onde o ego rejeita a ideia juntamente com o seu afeto e comporta-se como se aquela ideia jamais tivesse ocorrido. Assim quando a defesa é levada a cabo, o ego se encontra num estado de confusão alucinatória.

Em 1899 na carta 125 a Fliess, Freud questiona uma antiga formulação sua em que ele acreditava que a escolha da neurose estava relacionada com a idade que o trauma sexual ocorria. Freud abandona esta crença e introduz na carta a noção de um ponto de fixação do sujeito no desenvolvimento libidinal, que no caso da paranóia seria o seu estrato sexual mais primitivo que é o auto erotismo. É importante lembrar que Freud ainda não tinha construído o conceito de narcisismo, que só começou a ser formulado em 1911 no caso Schreber e melhor trabalhado em 1914 no texto sobre o narcisismo. Nesses textos fica muito claro que o ponto de fixação da paranóia é o narcisismo e o auto-erotismo é o ponto de fixação da esquizofrenia.

Em 1911, Freud escreve seu mais extenso trabalho sobre a psicose que é o caso do Schreber e gostaria de destacar dois pontos dessa obra. O primeiro é que Freud destaca que na psicose acontece um desligamento da libido em relação as pessoas e aos objetos, e ao invés dela ser transformada em inervação somática como na histeria, a libido vincula-se ao ego e é utilizada para o engrandecimento deste. O segundo ponto é que Freud explicando o conceito de repressão, ele percebe um equivoco em uma antiga formulação sua. Freud acreditava que aquilo que era suprimido internamente era projetado para o exterior, e através do caso ele passa ao entendimento de que aquilo que foi abolido internamente retorna desde fora. Afinal de contas, como projetar para fora aquilo que não existe dentro? A frase “o que foi abolido internamente retorna desde fora”, foi mais tarde muito bem apropriada por Lacan que afirmou “aquilo que foi abolido no simbólico, retorna no real”.

Em 1918, Freud escreve o caso do “Homem dos Lobos” que é um caso polêmico quanto ao seu diagnóstico na história da psicanálise. Apesar de Freud acreditar se tratar de uma neurose obsessiva, é possível perceber Freud com dúvidas em relação ao diagnóstico. É o próprio Freud que afirma que antes do Homem dos Lobos ser consultado por ele, já tinha passado por alguns sanatórios e o médico considerado um dos maiores especialista de seu tempo o Kraepelin o diagnosticou como um caso de insanidade maníaco-depressivo, ou seja, um psicótico. É justamente no caso do Homem dos Lobos que Freud usa o termo Verwerfung se referindo diretamente a castração, o Homem dos Lobos rejeita essa ideia, e essa rejeição aqui significa não ter nada a ver com a castração.

Em 1924, no texto “Neurose e Psicose” Freud chega a conclusão de que a psicose é o resultado das perturbações das relações do ego com o mundo exterior. Essas perturbações nada mais são do questões relativas ao problema da castração.

No final da obra de Freud se confirma aquilo que pode ser percebido ao longo de todo o seu trabalho, uma dificuldade em definir um mecanismo específico para a psicose. Ora ele usa renegar e ora rejeitar, sabemos que a renegação está muito mais no campo da perversão.

Ao contrario de Freud que apesar das suas construções sobre a psicose tinha claramente questões com essa clínica que o impediam de avançar. Lacan por sua vez investiu na clínica da psicose desde muito cedo, e sua paixão pode ser percebida no título de sua tese de doutorado: “Da psicose paranóica em suas relações com a personalidade”, onde em 1932 ele já se propõe a debater com a psiquiatria da época os determinantes da psicose.

Antes de entrar propriamente nas idéias de Lacan acerca do conceito de Foraclusão eu considerei justo com o leitor do meu trabalho a explicação de alguns conceitos que acabam perpassando o da Foraclusão, como significante, Édipo, os três registros: real, simbólico e imaginário. E aqui me deterei no de Édipo porque não tem como não passar pelo Édipo, é através dele que o homem entra na ordem simbólica e os que não o atravessam se estruturam na psicose.

Diferentemente de Freud que postulou 2 tempos para o Édipo, Lacan no “ Seminário 5 - As formações do inconsciente” postulou 3 tempos. No 1º tempo a criança é identificada ao objeto de desejo da mãe, o falo. E a questão que se coloca para a criança é ser ou não ser o falo para assim satisfazer o desejo da mãe. Nesse primeiro tempo a lei que vigora é a da mãe, uma lei de poder ilimitado, onipotente onde só ela pode satisfazer a criança. A criança nesse momento tem uma imagem distorcida do seu corpo, e se encontra aqui aquilo que Lacan chamou de estádio de espelho, período que corresponde a formação do eu a partir da imagem do Outro. A relação com o Outro é imediata por não haver mediação do simbólico. O 2º tempo é o que inaugura a simbolização, no texto “Além do princípio do prazer” Freud formula a ideia do For-Da, onde a criança repete no brincar o aparecimento e desaparecimento da mãe e nele ela anuncia alguns vocábulos, denunciando a simbolização através de alguns fonemas. A relação então não é mais imediata como no primeiro tempo. Mas existe a necessidade da entrada de um terceiro na relação mãe/criança, que é a instancia paterna, que é aquilo que representa o pai no discurso da mãe, e o que representa o pai no discurso da mãe é o significante Nome-do-Pai, que barra o outro onipotente e desfaz a relação imediata inscrevendo o significante Nome-do-Pai. Existe uma homofonia das palavras Nome/Não em Francês que indica duas funções cruciais na constituição do sujeito: a de transmitir o não da interdição do incesto e o da nomeação do filho. O 3º tempo é marcado pelo declínio do complexo, onde o menino já pode dar significação ao pênis e a mulher se situar como objeto de desejo do homem.

Lacan traz uma questão no seminário 3 bastante interessante, ele vai dizer o seguinte: que a questão não é saber porque o inconsciente está a flor da terra na psicose e sim porque ele retorna no real. Ele retorna no real justamente porque não há inscrição simbólica do significante Nome-do-Pai. Quando a gente admite a falta desse significante na psicose, admitimos que algo falhou no Édipo.

Lacan vai nos dizer que antes de qualquer simbolização há uma bejahung, uma afirmação primordial que posteriormente pode ser recalcada ou desmentida, ou seja pode dar numa neurose ou numa perversão, mas há casos em que como diz Lacan pode acontecer acidentes, pode acontecer uma verwerfung, uma foraclusão, e o que cai sob o golpe da verwerfung só pode dar em psicose.

Freud situou no caso Schreber a homossexualidade como causa ativadora da paranóia da psicose, Lacan vai falar que essa é uma afirmação imprecisa e Colette Soler vai nos dizer que a homossexualidade delirante de Schreber aponta para uma questão transferencial e não para a causa.

Outro ponto que quero destacar é quanto ao diagnóstico, Lacan nos fala que certa vez foi chamado para ver uma paciente que realmente apresenta um comportamento difícil e queria que ele confirmasse o diagnóstico de psicose, mas ele fala que antes de qualquer coisa é preciso verificar se há distúrbios de linguagem. O que vemos hoje é uma avalanche de equívocos quanto ao diagnóstico. E a foraclusão não pode ser tomada como um critério nosográfico para definição de um diagnóstico de psicose, ela não é um fenômeno, mas os seus efeitos explicam os fenômenos. No texto “De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose” Lacan vai nos dizer que a Foraclusão é a falha que confere a psicose sua condição essencial com a estrutura que a separa da neurose. É importante atentarmos para isso, a Foraclusão é a condição essencial e não a causa do desencadeamento de uma psicose. É preciso que haja uma causa ocasional. Podemos ver isso muito claramente no caso Schreber, ele tem 42 anos quando é nomeado a vice presidente do tribunal regional, e ali ele se vê numa posição de muita responsabilidade e se dá então o primeiro desmoronamento. Depois com 51 anos de idade ele é nomeado como presidente da corte de apelação, chegando ao ápice da hierarquia e Schreber não dá conta de está numa posição de lei e acaba desencadeando sua psicose mais uma vez.

Gostaria de terminar assinalando duas coisas, a primeira é que por mais que Lacan tenha avançado significativamente em relação a Freud no que diz respeito a clínica da psicose, isso não significa que a psicose continuará sendo o que era para Freud, uma doença da libido. E a outra é que falar e trabalhar com a psicose é como falar do registro do real, é algo da ordem do impossível de se encerrar, é uma lacuna que não fecha.


Guilherme Manhães










Olá pessoal !!!

Bom dia !!!

Já fazia um tempo que eu não postava, como alguns sabem estava terminando o trabalho de conclusão de curso, foi muito legal a aceitação dos ouvintes. Em breve estarei trazendo pra vocês fragmentos deste trabalho que foi aprovado com seu grau máximo. O título dele é "FORACLUSÃO: o mecanismo específico da estrutura psicótica". Para aqueles que não puderam estar presente na apresentação do mês passado, no dia 23 de agosto o mesmo trabalho estará sendo apresentado na Semana de Psicologia das Faculdades Integradas Maria Thereza.
Pessoal, logo estarei postando textos novos, muitas ideias tem vindo e muitas experiências legais serão compartilhadas.
Gostaria de agradecer a todos que tem acessado, forte abraço e até breve.

Guilherme Manhães

"CENÁRIO: O HOSPITAL"




... Guilherme estava em casa estudando e esperando à hora de encontrar com sua noiva naquele sábado, seu telefone tocou e era ela, a noiva, dizendo que precisava ir até o hospital, pois uma tosse já a incomodava por algumas semanas e queria saber se o Guilherme poderia acompanhá-la. Ele aceita, mas antes de sair de casa para encontrá-la pega o seu caderno que continha o material de uma disciplina chamada Práxis Clínica e Política que vem trazendo impactos importantes sobre sua formação em psicologia. Guilherme precisava entregar um trabalho na terça-feira da semana que estava por iniciar, e não foi a toa que ele pegou o caderno, fez uma associação entre ir ao hospital ser o equivalente a esperar muito tempo para ser atendido. Mas o que o Guilherme não tinha pensado foi que o cenário do hospital seria o melhor lugar para estar para poder escrever sobre as discussões daquela disciplina. O hospital era privado, mas mesmo assim nos dias atuais ele é sinônimo de uma longa espera por ser atendido na emergência. Por que isso acontece? A cidade que Guilherme mora tem cerca de um milhão de habitantes e sabe quantos médicos tinham para atender? Três médicos. Tem como esses três darem conta de toda essa demanda? “Claro que tem”. Basta ir até a Sorbonne e contratar os profissionais que escolheram o caminho da delegacia de polícia, eles se submetem a lógica de funcionamento do sistema e não tem como um hospital assim “não dá certo”. Basta fazer um atendimento de cinco minutos que a fila anda, e mais e mais guias dos planos de saúde são assinadas e a “indústria da saúde” se promove. Pra que perder tempo pedindo ao paciente para se deitar na maca como nos tempos antigos? Cada dia que passa o sujeito vai sendo deixado de lado. Mas enquanto a consulta acontece, Guilherme não tira o caderno de dentro da sua bolsa, pois é tomada pelo que acontece no cenário do hospital, uma peça onde vários personagens fazem parte, homens, mulheres, crianças, idosos, adolescentes, negros, brancos, morenos, ricos, pobres, e um ser que se destaca entre todos, trata-se de um rapaz que tem por volta dos seus vinte cinco anos. Ele tinha os seus cabelos alisados, usava dois brincos, um colete, uma calça Jens colada em seu corpo e uma flor branca presa ao cabelo. Pode-se dizer que por um instante a platéia é tomada pela sua voz e a dor quase que fica em segundo plano para se assistir ao personagem principal da noite. Guilherme percebe que são poucos os sujeitos que escolhem o caminho do PANTHEON, parece que a delegacia de polícia tomou a sociedade e vive um grande pacto de coexistência entre seus membros. Enquanto aquele travesti estava no palco, as pessoas assistiam e não falavam uma palavra ofensiva contra ele pelo modo dele se vestir, caras de paisagem mostravam que estava tudo bem, que ali estava apenas alguém que resolveu assumir a sua sexualidade. A platéia, que é a sociedade, diz ser contra a homofobia e o trata com respeito e admiração. Mas esse respeito, essa admiração só duraram os minutos que ele estava no cenário, quando ele sai, parece que as pessoas voltam a serem verdadeiramente quem são, risos, ofensas e muitos comentários discriminatórios acontecem. Sem falar, sem combinar a platéia sabe como se comportar para ser o ideal de sociedade almejado. Comportam-se até muito bem no espetáculo, mas na vida são mentirosos e falsos. Guilherme começa então a lembrar das aulas sobre a era vitoriana, onde a sexualidade era reprimida e as pessoas não “ousavam”, ou como se diz no popular “não saiam do armário”. No século XXI podemos dizer que a sexualidade quase não sofre mais com a repressão, mais ela é motivo de tamanha gozação, as pessoas gozam com esse outro que se mostra diferente, um verdadeiro escárnio. São os traços perversos que perpassam a nossa sociedade, às vezes silenciosamente, às vezes gritante. Não foi a toa que a histeria emergiu na sociedade vitoriana, e o que temos hoje? Seria muita presunção definir o que temos hoje, mas o filme “Réquiem para um sonho” nos dá algumas pistas do que o sistema atual impõe aos sujeitos. O filme conta a história de um casal de namorados bem jovens que tem como sonho montar um negócio e viverem felizes. Porém ambos são viciados em heroína, o que faz com que o menino venda a televisão da sua mãe para conseguir dinheiro. Sara, mãe deste menino, é uma viciada em assistir TV, até que um dia recebe um convite para participar do seu programa favorito. E para poder estar mais “bela” busca um médico, que receita pílulas para o emagrecimento. Assim como o filho que se torna um dependente da heroína, sua mãe fica dependente da anfetamina. As pílulas alteram seu comportamento, mas ela passionalmente insiste que a chance de aparecer na TV lhe deu uma razão para viver, e que o fato fez com que ela passasse a ser admirada pelas vizinhas de prédio. Até o outono, entretanto, seu convite não chega, e ela começa a aumentar a dosagem, o que lhe provoca alucinações onde ela é a principal estrela do programa de TV. Seu filho se envolve com o narcotráfico numa tentativa de realizar seus sonhos. Tudo ia bem, até que um amigo do tráfico é preso e todo o dinheiro deles é preciso para a liberação do seu amigo. As coisas vão ficando cada vez piores e o rapaz pede a sua namorada que faça sexo com o seu psiquiatra em troca de dinheiro. O desconforto entre o grupo é gande, ele agora tem o seu braço destruído pelo uso das drogas de forma indevida, acaba desenvolvendo uma grangena. Sara acaba sendo internada em um hospital psiquiatrico, onde passa pelo agressivo tratamento de eletroconvulsoterapia. Enquanto isso Marrion, a namorada, vai se degradando em orgias em troca de cocaina. E ali se vê a cena que aponta para o cenário do hospital onde Guilherme se encontra. Empresários, colocam Marrion e mais uma mulher para tranzarem e ficam gozando com aquena cena e dizem seguidamente: “goze, goze, goze...”. Drogas, Fama, consumo, são palavras próprias do nosso século. A alegria já não é mais uma possibilidade, ela passou a ser uma condição de sobrevivência, ela é consumida, ela é comprada. A propaganda da empresa GVT nos revela o que estamos discutindo aqui, “Seja feliz com as coisas que realmente importam. Venha para a GVT”. Como se não bastasse a logomarca estampa o dizer: “GVT – FELIZ É QUEM TEM”. A conclusão que se chega é que vivemos numa sociedade do excesso, fora de si, onde nada pode faltar, vivendo uma pura compulssão. Por fim, a peça acaba no cenário do hospital, mas ao sair dalí outros cenários se montam, e saindo de uma consulta de cinco minutos, o próximo cenário só pode ser uma drogaria. O sistema vai girando e muitas vezes nós giramos com ele, precisamos sair desse vicio. Vendem-se corpos e clama-se o gozo. Que possamos fazer micro-revoluções em nossas práticas clínicas, trabalhando para que os personagens da vida sejam mais sauldáveis e possam assumir a verdade dos seus afetos, mesmo que sejam tristes em alguns momentos, pois quem só quer vitória perde a glória de chorar...

Por: Guilherme Manhães.

E O DIAGNÓSTICO?!?!


Nesses ultimos meses tenho experenciado algo que tem me chamado atenção, é sobre a questão do diagnóstico. O título do texto é ao mesmo tempo uma pergunta e uma exclamação. Desde que comecei a minha formação passei por cinco instituições, dentre elas públicas e privadas. Tenho percebido como essa questão do diagnóstico é algo que sugere uma ampla discussão.

A primeira experiência foi com o atendimento de crianças, nessa instituição na maioria das vezes quem chegava pegava o paciente de quem estava saindo e o diagnóstico já havia sido feito por outra pessoa, cabia a aqueles que chegavam estudar aquela patologia. Mas existiam casos em que o diagnóstico já tinha sido feito, já se tinha uma conduta de trabalho com determinado paciente e percebia-se na mudança de analista que poderia haver um equivoco naquele diagnóstico e na condução do trabalho. E agora? O que fazer?

O que era mais interessante é que nessa instituição os profissionais que supervisionavam tinham um compromisso com o PANTHEON, e o que é o PANTHEON? Isso daria um outro texto, mas basicamente, são psicanalistas que não estão inseridos numa lógica policial de trabalho, são profissionais que tem compromisso com a saúde e o bem estar social. Aquelas supervisoras aceitavam os questionamentos e super receptivas se colocavam a disposição para repensar o diagnóstico daquele paciente. Esse foi um tempo muito bom, onde aprendi coisas básicas mas fundamentais da clínica e teoria psicanalítica. No terceiro período da faculdade estava já atendendo e ainda por cima lendo Lacan, sabe o que eu entendia das leituras naquela época? Nada vezes nada, mas não sei porque aos poucos fui gostando do "louco" do Lacan. 

Tive uma outra experiência bacana, foi a do SPA( Serviço de Psicologia Aplicada). Onde na maioria dos casos, pacientes de diferentes idades chegavam e tinhamos o privilégio de começar o atendimento e poder fazer um diagnóstico ao longo do caso com a orientação de supervisão. Nesse espaço institucional os pacientes em sua maior quantidade são de uma situação financeira bem precária e de um empobrecimento simbólico enorme. A questão do diagnóstico ali, era interessante, pois com todo o empobrecimento a pergunta muitas vezes era: "Doutor o que eu tenho?"

A necessidade do rótulo, de um nome de uma patologia colado ao ser humano é algo muito presente. O que se faz nessa hora em que o paciente vem com essa pergunta? Infelizmente na maior parte dos casos essa resposta é dada aos pacientes de uma forma muito problemática, a minha pergunta é: "Será que ajuda alguma coisa dizer ao paciente o que ele tem? Colocar nele um número do CID ou do DSM é a melhor solução?

O desejo de escrever esse texto nasceu a partir das ultimas experiências que venho tendo trabalhando em uma clínica psiquiatra na cidade de Niterói. Além de atuar no serviço do Hospital Dia da clínica, um espaço muito bacana de discussão entre os profissionais sobre os diversos casos de psicose e outros mais, também venho trabalhando no ambulatório, onde acontece a clínica social. E é justamente nessa clínica social que venho pensando muito sobre as questões relacionadas ao diagnóstico. Geralmente os casos que chegam são encaminhados por psiquiatras, mas existem aqueles também que vem por alguma indicação sem que antes passem por um psiquiatra. É impressionante como as pessoas chegam. Neste serviço ao invés de perguntarem: "O que eu tenho Doutor?", eles dizem: "Eu tenho Sindrome do..., Transtorno do...,". E mais uma vez eu pergunto: "O que se faz nessa hora quando a Sindrome e o Transtorno tem primazia na fala do sujeito? Outra pergunta: "Que sujeito é esse? Que individuo é esse que chega totalmente asujeitado a um diagnóstico?

Hoje a clínica onde trabalho me possibilita um acesso favorável aos psiquiatras e percebo que eles também são reféns dessa sociedade que estigmatiza o tempo todo o sujeito, dentre alguns que recebi indicações, os pacientes antes de passar por eles já vem "prontinhos" com o diagnóstico.

Tive uma decepção enorme com o que escutei da paciente ( X ) a pouco tempo, ela chega dizendo que segundo a psicóloga do Hospital a causa de sua TUBERCULOSE era emocional. Fiquei muito enfurecido nesse dia. A paciente (J) conta desesperada aos prantos: " A psicóloga disse que não tem jeito pro meu filho, ele é um hiperativo e que é isso e pronto".

E O DIAGNÓSTICO? Situações complexas o envolve, deveria ser uma ferramenta usada de uma maneira muito mais prudente e inteligente, mas o que tenho visto não é isso, são intervenções SELVAGENS que não levam em conta o sujeito.

Recomendo o texto de Freud: "Sobre o início do tratamento". Na ultima semana um colega me mostrou algo na supervisão que é bem triste, mas é a realidade. Chegou para ele um paciente que tinha passado por uma triagem com um colega e no prontuário vinha lá o seguinte diagnóstico: "PARANÓICO". Sabe quantas entrevistas preliminares foram feitas? Acreditem, apenas uma e loucamente diagnosticaram o paciente. São muitos equívocos.

O que me alegra é poder perceber que existem sujeitos trilhando um caminhado bem diferente. Uma outra paciente na clínica social chega de um outro modo e pode-se ver o trabalho tomando um curso interessantíssmo. Ela não chega dizendo: "eu tenho essa Sindrome e esse transtorno", mas ela chega dizendo: "eu sofro por isso, por aquilo, por esse, e etc..."

Por motivos éticos nem o nome e nem a história da paciente será divulgado, mas uma coisa muito interessante é poder ver como ela em sua análise vem podendo falar do que a faz sofrer e aos poucos poder se defrontar com o Real, aquilo que não conseguimos colocar em palavras mas que nos angustia. Em uma determinada sessão ela chama o seu sofrimento de "ISSO". O que é ISSO? "Isso" é muito interessante, porque não tem nome de síndromes, tem o nome do SIGNIFICANTE do próprio sujeito. "ISSO", quem nomeia é a paciente e não um psicólogo, um médico e outros mais. "ISSO" é a própria implicação do sujeito consigo mesmo, com seus mitos, com sua própria história.

GUILHERME MANHÃES

Tempo difícil

Olá pessoal !!!

O tempo é de luto, o tempo é de dor, mas voltarei. Fui abatido, mas não destruído.

Um forte abraço a todos e até breve.

Guilherme Manhães

CINE-PSI e seus desdobramentos



Estava em casa numa tarde de sol de domingo assistindo um filme muito conhecido acompanhado da minha irmã, quando de repente me defronto com uma cena, não com uma cena do filme, mas uma cena na sala de video. A cena que contempletei foi através do reflexo na porta de vidro, nela se refletia a imagem da minha irmã, ou melhor, do seu olhar e de sua face capturada.
O filme ela já tinha assistido, e pensei, o que será que está afetando tanto a minha irmã nessas imagens?
Após esse questionamento a possível resposta a esta pergunta me fez lembrar a ultima sessão do ano do CINE-Psiquiatria que aconteceu no Instituto Fluminense de Saúde Mental.
O professor da UFF, Rui Cutrim, trouxe para esta sessão o curta metragem "O lençol Branco", e também uma palestra tratando um pouco de questões psicopatológicas.
Tudo corria bem até antes da exibição do filme, quando o mesmo começou percebia-se que o clima, a expressão dos psiquiatras, psicólogos e outros profissionais iam mudando, tensão em alguns, angustia em outros.
Gostaria de fazer aqui um breve recorte da análise de João toledo sobre o filme para que você fique um pouco mais situado.

O curta conta a história de "Cecília, filha de pais aparentemente separados e mãe solteira possivelmente com depressão pós-parto, perde seu filhinho numa madrugada em que adormece amamentando. A indisposição dela diante da sua realidade faz com que, em um primeiro momento, associemos a causa da morte do bebê à letargia materna. Mas a personagem, apesar de envolvida pela escuridão, busca pela luz, acende a vela, o abajur; não são mais que focos de luz, mas mostram uma tentativa de sair daquele espaço incomodo.



É possível perceber também que, logo no começo do filme um plano, há um plano do filho agarrando o dedo da mãe; é algo que une os dois, mas que se torna um dado quase vago em meio às inexpressivas e desbotadas manifestações da mãe. Mais tarde a TV reforça o dado da mão como elemento de união entre as pessoas; algo também muito sutil, mas que ganha relevância ao fim quando descobrimos o real motivo da mãe ter tirado o bebê da sala. Enrolado em um paninho branco, a mão do bebê é o que ela guarda de simbólico da união entre eles. E por mais mórbido que possa parecer (e ser) a situação, há finalmente algo que se completa enquanto chave para entendermos que havia carinho e amor, apesar da depressão.


O lençol branco que cobre o bebê morto na sala, que também guarda a mãozinha cortada no fim, o lençol que remete àquele leite que continua saindo do peito, lembrando-a insistentemente da perda, se apresenta também na esfera simbólica como o lençol branco que acoberta os sentimentos da mãe em relação ao bebê: o remédio antidepressivo que ela toma. O tom do filme, que nos deixa sempre duvidosos em relação ao amor da mãe pelo filho, é desconstruído ao final, quando o sentimento acobertado esboça uma aparição em um leve sorriso. É um lençol que cobre, mas não extingue sua afeição".


Ao término da exibição, o Professor Rui Cutrim ofereceu um espaço para os que estavam ali pudessem falar um pouco, o que sem dúvida foi o que fez com que a noite ficasse mais rica.
As expressões faciais durante a exibição e as falas após o encerramento foram o que mais me afetaram e geraram em mim questionamentos.

Acho que se pudesse considerar uma palavra como um significante que apareceu nesta sessão foi: ANGUSTIA.
Porque tanta angustia diante de um video de 15 minutos?
Uma psicóloga que assistia ao filme do meu lado disse: "se durasse mais um minuto eu não suportaria, já está bom pra mim".

Lembro-me do livro " Um olhar a mais" do Quinet, onde o autor aponta  uma relação entre a Pulsão Escópica e a Angustia.

O conceito de pulsão escópica permitiu à psicanálise restabelecer uma função de atividade para o olho, não mais como fonte de visão, mas como fonte de libido. A psicanálise descobre a libido de ver, o prazer de ver, e o objeto olhar como manifestação da vida sexual. O olhar não é um atributo do sujeito, que dele se serve como instrumento; ao contrário, é o sujeito que é afetado pelo olhar enquanto objeto. Na saída do Édipo, duas instâncias estarão ligadas ao escópico: o ideal do eu, ponto em que o sujeito se vê como amável, e o supereu, olhar que vigia e pune. Aqui se mostra que o olhar é objeto causa de angústia.

Ainda pouco havia dito que tudo corria bem até a exibição do filme, mas na verdade tudo ficou sem palavras quando tivemos a possibilidade de nos defrontar com essas cenas angustiantes, carregadas de Real. Lacan já nos dizia no Seminário 10, "... a angustia é sempre o sinal do real".

Não é fácil mesmo suportar a angustia por muito tempo, a investida melhor para minimiza-la não poderia ser outra a não ser a que o Professor Rui ofereceu, "Falem..."

Esse é um momento muito especial, pois é na tentativa de simbolizar o que é da ordem do impossível que o sujeito acaba construindo novos saberes, novas possibilidades, novas visibilidades.

Um forte abraço e até a próxima.
Guilherme Manhães






   

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