... Guilherme estava em casa estudando e esperando à hora de encontrar com sua noiva naquele sábado, seu telefone tocou e era ela, a noiva, dizendo que precisava ir até o hospital, pois uma tosse já a incomodava por algumas semanas e queria saber se o Guilherme poderia acompanhá-la. Ele aceita, mas antes de sair de casa para encontrá-la pega o seu caderno que continha o material de uma disciplina chamada Práxis Clínica e Política que vem trazendo impactos importantes sobre sua formação em psicologia. Guilherme precisava entregar um trabalho na terça-feira da semana que estava por iniciar, e não foi a toa que ele pegou o caderno, fez uma associação entre ir ao hospital ser o equivalente a esperar muito tempo para ser atendido. Mas o que o Guilherme não tinha pensado foi que o cenário do hospital seria o melhor lugar para estar para poder escrever sobre as discussões daquela disciplina. O hospital era privado, mas mesmo assim nos dias atuais ele é sinônimo de uma longa espera por ser atendido na emergência. Por que isso acontece? A cidade que Guilherme mora tem cerca de um milhão de habitantes e sabe quantos médicos tinham para atender? Três médicos. Tem como esses três darem conta de toda essa demanda? “Claro que tem”. Basta ir até a Sorbonne e contratar os profissionais que escolheram o caminho da delegacia de polícia, eles se submetem a lógica de funcionamento do sistema e não tem como um hospital assim “não dá certo”. Basta fazer um atendimento de cinco minutos que a fila anda, e mais e mais guias dos planos de saúde são assinadas e a “indústria da saúde” se promove. Pra que perder tempo pedindo ao paciente para se deitar na maca como nos tempos antigos? Cada dia que passa o sujeito vai sendo deixado de lado. Mas enquanto a consulta acontece, Guilherme não tira o caderno de dentro da sua bolsa, pois é tomada pelo que acontece no cenário do hospital, uma peça onde vários personagens fazem parte, homens, mulheres, crianças, idosos, adolescentes, negros, brancos, morenos, ricos, pobres, e um ser que se destaca entre todos, trata-se de um rapaz que tem por volta dos seus vinte cinco anos. Ele tinha os seus cabelos alisados, usava dois brincos, um colete, uma calça Jens colada em seu corpo e uma flor branca presa ao cabelo. Pode-se dizer que por um instante a platéia é tomada pela sua voz e a dor quase que fica em segundo plano para se assistir ao personagem principal da noite. Guilherme percebe que são poucos os sujeitos que escolhem o caminho do PANTHEON, parece que a delegacia de polícia tomou a sociedade e vive um grande pacto de coexistência entre seus membros. Enquanto aquele travesti estava no palco, as pessoas assistiam e não falavam uma palavra ofensiva contra ele pelo modo dele se vestir, caras de paisagem mostravam que estava tudo bem, que ali estava apenas alguém que resolveu assumir a sua sexualidade. A platéia, que é a sociedade, diz ser contra a homofobia e o trata com respeito e admiração. Mas esse respeito, essa admiração só duraram os minutos que ele estava no cenário, quando ele sai, parece que as pessoas voltam a serem verdadeiramente quem são, risos, ofensas e muitos comentários discriminatórios acontecem. Sem falar, sem combinar a platéia sabe como se comportar para ser o ideal de sociedade almejado. Comportam-se até muito bem no espetáculo, mas na vida são mentirosos e falsos. Guilherme começa então a lembrar das aulas sobre a era vitoriana, onde a sexualidade era reprimida e as pessoas não “ousavam”, ou como se diz no popular “não saiam do armário”. No século XXI podemos dizer que a sexualidade quase não sofre mais com a repressão, mais ela é motivo de tamanha gozação, as pessoas gozam com esse outro que se mostra diferente, um verdadeiro escárnio. São os traços perversos que perpassam a nossa sociedade, às vezes silenciosamente, às vezes gritante. Não foi a toa que a histeria emergiu na sociedade vitoriana, e o que temos hoje? Seria muita presunção definir o que temos hoje, mas o filme “Réquiem para um sonho” nos dá algumas pistas do que o sistema atual impõe aos sujeitos. O filme conta a história de um casal de namorados bem jovens que tem como sonho montar um negócio e viverem felizes. Porém ambos são viciados em heroína, o que faz com que o menino venda a televisão da sua mãe para conseguir dinheiro. Sara, mãe deste menino, é uma viciada em assistir TV, até que um dia recebe um convite para participar do seu programa favorito. E para poder estar mais “bela” busca um médico, que receita pílulas para o emagrecimento. Assim como o filho que se torna um dependente da heroína, sua mãe fica dependente da anfetamina. As pílulas alteram seu comportamento, mas ela passionalmente insiste que a chance de aparecer na TV lhe deu uma razão para viver, e que o fato fez com que ela passasse a ser admirada pelas vizinhas de prédio. Até o outono, entretanto, seu convite não chega, e ela começa a aumentar a dosagem, o que lhe provoca alucinações onde ela é a principal estrela do programa de TV. Seu filho se envolve com o narcotráfico numa tentativa de realizar seus sonhos. Tudo ia bem, até que um amigo do tráfico é preso e todo o dinheiro deles é preciso para a liberação do seu amigo. As coisas vão ficando cada vez piores e o rapaz pede a sua namorada que faça sexo com o seu psiquiatra em troca de dinheiro. O desconforto entre o grupo é gande, ele agora tem o seu braço destruído pelo uso das drogas de forma indevida, acaba desenvolvendo uma grangena. Sara acaba sendo internada em um hospital psiquiatrico, onde passa pelo agressivo tratamento de eletroconvulsoterapia. Enquanto isso Marrion, a namorada, vai se degradando em orgias em troca de cocaina. E ali se vê a cena que aponta para o cenário do hospital onde Guilherme se encontra. Empresários, colocam Marrion e mais uma mulher para tranzarem e ficam gozando com aquena cena e dizem seguidamente: “goze, goze, goze...”. Drogas, Fama, consumo, são palavras próprias do nosso século. A alegria já não é mais uma possibilidade, ela passou a ser uma condição de sobrevivência, ela é consumida, ela é comprada. A propaganda da empresa GVT nos revela o que estamos discutindo aqui, “Seja feliz com as coisas que realmente importam. Venha para a GVT”. Como se não bastasse a logomarca estampa o dizer: “GVT – FELIZ É QUEM TEM”. A conclusão que se chega é que vivemos numa sociedade do excesso, fora de si, onde nada pode faltar, vivendo uma pura compulssão. Por fim, a peça acaba no cenário do hospital, mas ao sair dalí outros cenários se montam, e saindo de uma consulta de cinco minutos, o próximo cenário só pode ser uma drogaria. O sistema vai girando e muitas vezes nós giramos com ele, precisamos sair desse vicio. Vendem-se corpos e clama-se o gozo. Que possamos fazer micro-revoluções em nossas práticas clínicas, trabalhando para que os personagens da vida sejam mais sauldáveis e possam assumir a verdade dos seus afetos, mesmo que sejam tristes em alguns momentos, pois quem só quer vitória perde a glória de chorar...
Por: Guilherme Manhães.
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