Estava em casa numa tarde de sol de domingo assistindo um filme muito conhecido acompanhado da minha irmã, quando de repente me defronto com uma cena, não com uma cena do filme, mas uma cena na sala de video. A cena que contempletei foi através do reflexo na porta de vidro, nela se refletia a imagem da minha irmã, ou melhor, do seu olhar e de sua face capturada.
O filme ela já tinha assistido, e pensei, o que será que está afetando tanto a minha irmã nessas imagens?
Após esse questionamento a possível resposta a esta pergunta me fez lembrar a ultima sessão do ano do CINE-Psiquiatria que aconteceu no Instituto Fluminense de Saúde Mental.
O professor da UFF, Rui Cutrim, trouxe para esta sessão o curta metragem "O lençol Branco", e também uma palestra tratando um pouco de questões psicopatológicas.
Tudo corria bem até antes da exibição do filme, quando o mesmo começou percebia-se que o clima, a expressão dos psiquiatras, psicólogos e outros profissionais iam mudando, tensão em alguns, angustia em outros.
Gostaria de fazer aqui um breve recorte da análise de João toledo sobre o filme para que você fique um pouco mais situado.
O curta conta a história de "Cecília, filha de pais aparentemente separados e mãe solteira possivelmente com depressão pós-parto, perde seu filhinho numa madrugada em que adormece amamentando. A indisposição dela diante da sua realidade faz com que, em um primeiro momento, associemos a causa da morte do bebê à letargia materna. Mas a personagem, apesar de envolvida pela escuridão, busca pela luz, acende a vela, o abajur; não são mais que focos de luz, mas mostram uma tentativa de sair daquele espaço incomodo.
É possível perceber também que, logo no começo do filme um plano, há um plano do filho agarrando o dedo da mãe; é algo que une os dois, mas que se torna um dado quase vago em meio às inexpressivas e desbotadas manifestações da mãe. Mais tarde a TV reforça o dado da mão como elemento de união entre as pessoas; algo também muito sutil, mas que ganha relevância ao fim quando descobrimos o real motivo da mãe ter tirado o bebê da sala. Enrolado em um paninho branco, a mão do bebê é o que ela guarda de simbólico da união entre eles. E por mais mórbido que possa parecer (e ser) a situação, há finalmente algo que se completa enquanto chave para entendermos que havia carinho e amor, apesar da depressão.
O lençol branco que cobre o bebê morto na sala, que também guarda a mãozinha cortada no fim, o lençol que remete àquele leite que continua saindo do peito, lembrando-a insistentemente da perda, se apresenta também na esfera simbólica como o lençol branco que acoberta os sentimentos da mãe em relação ao bebê: o remédio antidepressivo que ela toma. O tom do filme, que nos deixa sempre duvidosos em relação ao amor da mãe pelo filho, é desconstruído ao final, quando o sentimento acobertado esboça uma aparição em um leve sorriso. É um lençol que cobre, mas não extingue sua afeição".
Ao término da exibição, o Professor Rui Cutrim ofereceu um espaço para os que estavam ali pudessem falar um pouco, o que sem dúvida foi o que fez com que a noite ficasse mais rica.
As expressões faciais durante a exibição e as falas após o encerramento foram o que mais me afetaram e geraram em mim questionamentos.
Acho que se pudesse considerar uma palavra como um significante que apareceu nesta sessão foi: ANGUSTIA.
Porque tanta angustia diante de um video de 15 minutos?
Uma psicóloga que assistia ao filme do meu lado disse: "se durasse mais um minuto eu não suportaria, já está bom pra mim".
Lembro-me do livro " Um olhar a mais" do Quinet, onde o autor aponta uma relação entre a Pulsão Escópica e a Angustia.
O conceito de pulsão escópica permitiu à psicanálise restabelecer uma função de atividade para o olho, não mais como fonte de visão, mas como fonte de libido. A psicanálise descobre a libido de ver, o prazer de ver, e o objeto olhar como manifestação da vida sexual. O olhar não é um atributo do sujeito, que dele se serve como instrumento; ao contrário, é o sujeito que é afetado pelo olhar enquanto objeto. Na saída do Édipo, duas instâncias estarão ligadas ao escópico: o ideal do eu, ponto em que o sujeito se vê como amável, e o supereu, olhar que vigia e pune. Aqui se mostra que o olhar é objeto causa de angústia.
Ainda pouco havia dito que tudo corria bem até a exibição do filme, mas na verdade tudo ficou sem palavras quando tivemos a possibilidade de nos defrontar com essas cenas angustiantes, carregadas de Real. Lacan já nos dizia no Seminário 10, "... a angustia é sempre o sinal do real".
Não é fácil mesmo suportar a angustia por muito tempo, a investida melhor para minimiza-la não poderia ser outra a não ser a que o Professor Rui ofereceu, "Falem..."
Esse é um momento muito especial, pois é na tentativa de simbolizar o que é da ordem do impossível que o sujeito acaba construindo novos saberes, novas possibilidades, novas visibilidades.
Um forte abraço e até a próxima.
Guilherme Manhães
O filme ela já tinha assistido, e pensei, o que será que está afetando tanto a minha irmã nessas imagens?
Após esse questionamento a possível resposta a esta pergunta me fez lembrar a ultima sessão do ano do CINE-Psiquiatria que aconteceu no Instituto Fluminense de Saúde Mental.
O professor da UFF, Rui Cutrim, trouxe para esta sessão o curta metragem "O lençol Branco", e também uma palestra tratando um pouco de questões psicopatológicas.
Tudo corria bem até antes da exibição do filme, quando o mesmo começou percebia-se que o clima, a expressão dos psiquiatras, psicólogos e outros profissionais iam mudando, tensão em alguns, angustia em outros.
Gostaria de fazer aqui um breve recorte da análise de João toledo sobre o filme para que você fique um pouco mais situado.
O curta conta a história de "Cecília, filha de pais aparentemente separados e mãe solteira possivelmente com depressão pós-parto, perde seu filhinho numa madrugada em que adormece amamentando. A indisposição dela diante da sua realidade faz com que, em um primeiro momento, associemos a causa da morte do bebê à letargia materna. Mas a personagem, apesar de envolvida pela escuridão, busca pela luz, acende a vela, o abajur; não são mais que focos de luz, mas mostram uma tentativa de sair daquele espaço incomodo.
É possível perceber também que, logo no começo do filme um plano, há um plano do filho agarrando o dedo da mãe; é algo que une os dois, mas que se torna um dado quase vago em meio às inexpressivas e desbotadas manifestações da mãe. Mais tarde a TV reforça o dado da mão como elemento de união entre as pessoas; algo também muito sutil, mas que ganha relevância ao fim quando descobrimos o real motivo da mãe ter tirado o bebê da sala. Enrolado em um paninho branco, a mão do bebê é o que ela guarda de simbólico da união entre eles. E por mais mórbido que possa parecer (e ser) a situação, há finalmente algo que se completa enquanto chave para entendermos que havia carinho e amor, apesar da depressão.
O lençol branco que cobre o bebê morto na sala, que também guarda a mãozinha cortada no fim, o lençol que remete àquele leite que continua saindo do peito, lembrando-a insistentemente da perda, se apresenta também na esfera simbólica como o lençol branco que acoberta os sentimentos da mãe em relação ao bebê: o remédio antidepressivo que ela toma. O tom do filme, que nos deixa sempre duvidosos em relação ao amor da mãe pelo filho, é desconstruído ao final, quando o sentimento acobertado esboça uma aparição em um leve sorriso. É um lençol que cobre, mas não extingue sua afeição".
Ao término da exibição, o Professor Rui Cutrim ofereceu um espaço para os que estavam ali pudessem falar um pouco, o que sem dúvida foi o que fez com que a noite ficasse mais rica.
As expressões faciais durante a exibição e as falas após o encerramento foram o que mais me afetaram e geraram em mim questionamentos.
Acho que se pudesse considerar uma palavra como um significante que apareceu nesta sessão foi: ANGUSTIA.
Porque tanta angustia diante de um video de 15 minutos?
Uma psicóloga que assistia ao filme do meu lado disse: "se durasse mais um minuto eu não suportaria, já está bom pra mim".
Lembro-me do livro " Um olhar a mais" do Quinet, onde o autor aponta uma relação entre a Pulsão Escópica e a Angustia.
O conceito de pulsão escópica permitiu à psicanálise restabelecer uma função de atividade para o olho, não mais como fonte de visão, mas como fonte de libido. A psicanálise descobre a libido de ver, o prazer de ver, e o objeto olhar como manifestação da vida sexual. O olhar não é um atributo do sujeito, que dele se serve como instrumento; ao contrário, é o sujeito que é afetado pelo olhar enquanto objeto. Na saída do Édipo, duas instâncias estarão ligadas ao escópico: o ideal do eu, ponto em que o sujeito se vê como amável, e o supereu, olhar que vigia e pune. Aqui se mostra que o olhar é objeto causa de angústia.
Ainda pouco havia dito que tudo corria bem até a exibição do filme, mas na verdade tudo ficou sem palavras quando tivemos a possibilidade de nos defrontar com essas cenas angustiantes, carregadas de Real. Lacan já nos dizia no Seminário 10, "... a angustia é sempre o sinal do real".
Não é fácil mesmo suportar a angustia por muito tempo, a investida melhor para minimiza-la não poderia ser outra a não ser a que o Professor Rui ofereceu, "Falem..."
Esse é um momento muito especial, pois é na tentativa de simbolizar o que é da ordem do impossível que o sujeito acaba construindo novos saberes, novas possibilidades, novas visibilidades.
Um forte abraço e até a próxima.
Guilherme Manhães